Gina Dinucci: Espaços de nossas solidões
20.SET-31.OUT/25
o espaço de nossas solidões
"É encerrado em sua solidão que o ser de paixão prepara suas explosões ou seus feitos. E todos os espaços das nossas solidões passadas, os espaços em que sofremos a solidão, desfrutamos a solidão, desejamos a solidão, comprometemos a solidão, são em nós indeléveis". Gaston Bachelard, A poética do espaço, 1998, p. 203.
1. fazer só
Como fazer só? A questão atravessa a exposição de Gina Dinucci enreda em suas respostas possíveis um conjunto de escolhas que levam a matérias, que ao darem a ver imagens podem revelar vivências, memórias e gestos.
Fazer só, aqui, é exercício contínuo de quem precisa criar a partir de um espaço íntimo, habitado por presenças invisíveis, sem esquecer que a artista conta com uma extensa produção em que deixa correr em paralelo as práticas de criação em ateliê com as práticas colaborativas com pessoas de todas as idades. A pesquisadora Erin Manning, que também é artista e educadora, nos traz aqui uma perspectiva interessante para considerar o fazer só como parte do fazer junto: para ela, assim como para Gina, não há gesto que exista fora da relação, mesmo o movimento aparentemente solitário carrega ecos do coletivo, atravessado por intervalos que conectam corpos, tempos e forças.
Talvez por isso, o nome da exposição, emprestado do filósofo Gaston Bachelard em Poética do Espaço, lembra que os espaços íntimos são lugares de imaginação, capazes de abrir o ser para o cosmos. É nesse entrelaçamento entre recolhimento e abertura que se inscrevem as obras reunidas aqui. E talvez, a coreografia entre pretos e brancos, luzes e sombras, claridade e escuridão seja um dos modos de revelar, em cada caso, aquilo que é do indivíduo, em situação pública e coletiva da exibição de um trabalho.

2. uma cor, muitas camadas
A cor preta é corpo e signo, matéria que absorve e devolve. Quando aparece na arte, desafia a ideia de ausência e ultrapassa a condição de sombra, instaurando densidade, silêncio e potência. Evoca interioridade, abre espaço para a luz, cria profundidade. A claridade, por sua vez, carrega a promessa da revelação, embora, em excesso, dissolva contornos e elimine as sombras necessárias à visão. O paradoxo está nesse intervalo: entre o que se mostra e o que permanece oculto, o olhar encontra sua condição de existência. É nesse espaço que se inscrevem os espaços de solidões da Gina Dinucci. Os trabalhos em variados suportes partem da observação de lugares, arquiteturas, pessoas e coisas, na busca de aproximações e detalhes que possam ajudar a revelar o todo. Em vez de reproduzi-los como estruturas inteiras, Dinucci os fragmenta, recorta, aproxima, seja no bi ou no tridimensional. Nós os conhecemos a partir de linhas, volumes, texturas, contornos. A paleta restrita — pretos, cinzas e brancos — intensifica a conversa entre opacidade e transparência. O preto dialoga com o branco e com o cinza, não como fundo neutro, mas como matéria viva que organiza o espaço. Os elementos em geral se tornam pontos de transição entre interior e exterior - seja uma pessoa, uma construção ou algum fragmento de vida em gesto. A solidão aparece como experiência “de um dentro” que se conecta com “um fora”, em ressonância coreografada.
O preto, na obra de Gina, é território, é vontade, é intenção. Matéria e campo onde gestação, memória e afetos se depositam, onde o olhar para e se move na medida em que os contornos vão se mostrando, se apresentando, ganhando nome ou não. Na exposição, o escuro constrói uma poética da interioridade, na qual a solidão reivindica a possibilidade de não ser só exílio, se apresentando como lugar de existência, feito do que se vê e do que se viu - até agora.
3. fazer mundo
Caminhar pela exposição é uma oportunidade de enfrentar em nós a pergunta inicial: como fazer só? A resposta não se encontra na oposição entre solidão e encontro, mas no modo como cada gesto abre passagens para uma aproximação que pode crescer da partilha para a intimidade das trocas.
Nas obras de Gina Dinucci, o fazer só é já um fazer com — com a matéria, com o arquivo, com o tempo, com quem percebe. Com ela, aprendemos o que descobriu Bachelard: que o íntimo pode se tornar cósmico. Também aprendemos o que partilha Erin Manning: que o gesto solitário está sempre atravessado pelo que nos é comum nos contextos e territórios que nos constituem.
Nos espaços de nossas solidões, com Gina Dinucci, o só fazer é já um fazer-mundo.
Texto de Valquíria Prates

FICHA TÉCNICA
Lança Galeria: Leandro Nunes e Josemar Costa
Exposição: Espaços de nossas solidões
Curadoria: Valquíria Prates e Leandro Nunes
Produção Executiva: Lança Galeria
Expografia: Josemar Costa
Programação Visual: Leandro Nunes
Montagem: Equipe Lança
Iluminação: Bruna Melquíades
Molduras: Emolduralle e Syl’Arte Molduras
Sinalização: Equipe Lança
Assessoria de Imprensa: Marmiroli Comunicação