Corpos em Tensão: Masculinidades em Perspectiva
26.ABR-30.MAI/25
Há mais de vinte anos, bell hooks enuncia que nós, mulheres feministas, não podemos falar pelos homens, mas com os homens, haja vista que eles são parte fundamental de uma cadeia de relações e processos que envolvem a reprodução das práticas violentas e da negação das mulheres. No mesmo sentido, outras teóricas do feminismo, ao tomarem o gênero como categoria de análise e ao compreendê-lo como uma forma primária de dar significado às relações de poder (tomando emprestada a definição de Joan Scott), apontam para a importância de entender como essas práticas e discursos incidem sobre os corpos determinados como masculinos. A masculinidade, nesse sentido, não é um tema novo, embora suas complexidades e contradições, que nos fazem entendê-la no plural, permaneçam como um campo aberto de elaboração e disputa.
Corpos em tensão: masculinidades em perspectiva nos propõe olhar, junto com os artistas Marcio Marianno, Douglas Reis e Fernando Ancil, para as construções sociais, culturais e visuais da categoria de masculinidade. Eles tomam como tema de sua produção artística características que a fundamentam — como a indissociabilidade com o trabalho, a violência e a sexualidade — desnudando-as, questionando-as e reelaborando-as em um processo de autodeterminação que tenta superar o padrão da masculinidade patriarcal e racista, característico de uma modernidade ocidental e capitalista, como também nos lembra bell hooks.

Marcio Marianno mobiliza a tradição da pintura a óleo para tensionar a interseção entre gênero, raça e classe. Interessado na transposição da incidência da luz sobre as superfícies para a tela, em algumas obras ele constrói corpos negros como alegorias que refletem experiências simultaneamente pessoais e coletivas — como o apagamento da individualidade desses homens ou a associação entre tais corpos e trabalhos manuais desvalorizados, legados da escravidão e da colonialidade. Na série Touros, o artista mergulha na temática da hipersexualização dos homens negros, evidenciando um nicho do mercado pornográfico que se sustenta em estereótipos que os reduzem a seres animalizados, violentos e de sexualidade incontrolável. Os pênis, que dialogam com a tradição do nu e com a tipologia dos retratos a óleo, denunciam um processo de desumanização, mas também reagem, devolvendo ao espectador o desconforto do racismo e revelando o poder das representações artísticas de expor e deslocar práticas sociais.
Já Douglas Reis compõe um universo subjetivo da experiência da masculinidade em regiões interioranas do Brasil. A série Flores Desbotadas ancora-se no exame de memórias familiares e das vivências do artista em territórios rurais, mobilizando uma cartela cromática e elementos visuais que remontam à associação dos homens com a lida na terra e à separação dos espaços de sociabilidade por meio do gênero: aos homens, cabia o bar; às mulheres, a igreja. A cisão entre o público e o privado aparece na alusão à casa e ao arame, mas também na presença da flor popularmente conhecida como Coroa de Cristo, costumeiramente usada em cercas vivas. As flores, extraídas e cavadas nas telas, corporificam essa inflexão de Reis sobre a ambiguidade inerente aos estereótipos de gênero, simbolizando a coexistência da violência e da delicadeza do afeto presente em sua família, mas também uma tentativa de florescimento de outros comportamentos no interior das estruturas patriarcais.
No campo tridimensional, Fernando Ancil, com seu projeto Marcenaria Olinda, materializa a associação entre a dimensão física do trabalho e o corpo masculino, questionando, por meio da hipérbole, a generificação da prática da manufatura e sua inscrição no mundo da arte. Ferramentas usadas na marcenaria e em outras técnicas de construção — como martelo, facão, grosa e serrote — são tomadas como extensões do corpo dos trabalhadores especializados. Nelas, o falo, como função simbólica do poder, explicita a predominância dos homens nesse meio e suas consequências, como a evidente dimensão de perigo presente na homologia entre masculinidade e instrumentos que podem ser empregados na violência física. Ao mesmo tempo, o procedimento de fazer da ferramenta a obra em si sublinha a dimensão construtiva do gênero, abrindo espaço para a elaboração de novas feituras, matéricas e subjetivas, da relação entre masculinidade e produção artística.
Nesta exposição, o conjunto de trabalhos dos três artistas suscita questões, mas também aponta para os limites, tantas vezes assinalados, de uma discussão sobre experiências de gênero que se fundamenta nos órgãos sexuais ou na reconfiguração das hierarquias de poder. Em um momento de sensíveis mudanças nos termos do debate, pautadas pela abertura de espaço para outras experiências de gênero e sexualidade, mas também pelo aumento de um reacionário ódio às mulheres e a outros grupos subalternizados, renova-se a importância de discutir as masculinidades, os imaginários e as visualidades em torno desse assunto.
Bruna Fernanda
São Paulo, Abril de 2025
MARCIO MARIANNO










MARCENARIA OLINDA












DOUGLAS REIS








