CORPOCONCRETO: Giorgia Volpe + Gregório Soares
22.NOV.25-06.FEV.26
É possível considerar corpo e espaço como algo concreto?
A pergunta inaugura tanto esta exposição como um modo de perceber o mundo. Se trouxermos a pergunta para um campo teórico, temos em Merleau-Ponty o corpo como a raiz da percepção, para ele o corpo não é uma coisa entre coisas, é o ponto de onde toda experiência germina. Então, nada existe para nós fora de um corpo que vê, toca, se desloca, sofre e recorda. Consequentemente, o espaço deixa de ser geometria e torna-se a carne do mundo — um campo vivido, espesso, que só se revela na medida em que o corpo o habita.
A concretude, então, não se confunde com a mera solidez uma vez que ela é a densidade do encontro, o que resiste ao desaparecimento porque foi vivido. É essa mesma espessura concreta que aparece na ideia de imagem formulada por Didi-Huberman, para quem toda aparição é também uma ferida, um intervalo entre o que insiste e o que se perde. A imagem concreta não é a que se fecha em si mesma, é a que sobrevive ao tempo, carregando em si suas marcas, seus ruídos, suas respirações.
É nessa junção que a arte de Giorgia Volpe e Gregório Soares se entrelaça. CorpoConcreto traz obras desses dois artistas que não apenas compartilham uma questão comum, elas se friccionam, se aproximam e se distanciam, respondem uma à outra por meio dos materiais, dos gestos e das temporalidades que convocam. O encontro entre os dois causa uma tensão onde cada pesquisa simultaneamente ilumina e questiona a outra. O que em Volpe se manifesta como gesto que prolonga o corpo no mundo, em Soares aparece como matéria que resiste ao esquecimento; o que em um se acumula em tramas, no outro se sedimenta em superfícies feridas. Na exposição, temos um convite para nos colocarmos no meio dessa tensão, para questionarmos nosso próprio corpo e nossos próprios espaços. Volpe e Soares entregam concretude ao externar elementos que comumente ficam no campo do imaginário, do abstrato, mas esse contato com diferentes corpos pode nos trazer diferentes concretos, alguns que vamos encontrar nas obras, outros que encontraremos em nós mesmos.
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Em Volpe, a concretude nasce do gesto. Caminhar, recolher, torcer, tecer, costurar: cada ação prolonga o corpo no mundo e o mundo no corpo. As esponjas que absorvem a pressão do toque, os tecidos produzidos no tear jacquard que transformam a imagem em trama viva. Tudo aponta para uma concretude que não se prende à materialidade em si, mas à presença que ela retém. As dobras, como pequenas respirações de tempo, tornam visível o intervalo entre aquilo que aparece e aquilo que insiste em se esconder, intervalo onde a experiência se fixa sem nunca endurecer. A grande surpresa está na bidimensionalidade do suporte em que suas obras materializam sua existência; o olhar custa em admitir que todas as dimensões e espaços se encontram principalmente dentro da nossa própria percepção. Mas se voltarmos à nossa pergunta inicial, perceberemos que o concreto também reside nesse paradoxo, Merleau-Ponty já nos adiantou.
Para Soares, a concretude emerge da fricção entre matéria e tempo. O desenho se torna um gesto e infiltra-se na superfície urbana, revela sua vulnerabilidade, escava seus restos. Concreto, ferro fundido, pigmentos recolhidos, azulejos deslocados de uma ordem modernista já consagrada: cada material é convocado como corpo portador de memória. As fissuras, as corrosões, as interrupções e as falhas não são imperfeições e sim modos de revelar a respiração lenta da matéria, sua condição de sobrevivência. Ao caminhar pela exposição suas obras vão se revelando pelas paredes e nelas é possível perceber como o espaço da exposição se encontra junto ao espaço do corpo. Quando ali me coloquei, percebi que a ferida que nos descreveu Didi-Huberman se fez concreta com a entrada da luz do sol, como com apenas um instante de reflexo era possível ver uma aparição que marcaria a minha experiência e que essa carga seria adicionada à obra, a ser revelada a outros de diferentes maneiras.
Assim, a pergunta inicial não encontra uma única resposta, encontra um eco. O concreto não é o que é sólido, e sim o que é sensível. Não é a forma que se impõe, mas o vestígio que permanece. Não é a forma rígida, mas a marca nela deixada. O corpo é concreto porque habita e é habitado; o espaço é concreto porque, ao receber essa presença, transforma-se. A arte, então, se concretiza neste limiar: é o intervalo onde o visível e o invisível se tocam, onde o vivido se condensa em imagem e pulsa, aberto, à espera de um novo olhar.
Talvez, no fim, corpo e espaço sejam concretos não pela solidez, mas pela vida que os atravessa.
Texto de Cássia Pérez
FICHA TÉCNICA
Lança Galeria: Leandro Nunes e Josemar Costa
Exposição: CORPOCONCRETO
Texto crítico: Cássia Pérez
Produção Executiva: Lança Galeria
Expografia: Josemar Costa
Programação Visual: Leandro Nunes
Montagem: Equipe Lança
Iluminação: Bruna Melquíades
Molduras: Emolduralle e Syl’Arte Molduras
Sinalização: Equipe Lança
Serviço
Exposição: CORPOCONCRETO — Giorgia Volpe e Gregório Soares
Período: 22 de novembro de 2025 a 6 de fevereiro de 2026
Local: Lança Galeria — Rua Major Sertório, 88 / 503, Vila Buarque, São Paulo
Entrada gratuita!

