Há mais de vinte anos, bell hooks enuncia que nós, mulheres feministas, não podemos falar pelos homens, mas com os homens, haja vista que eles são parte fundamental de uma cadeia de relações e processos que envolvem a reprodução das práticas violentas e da negação das mulheres. No mesmo sentido, outras teóricas do feminismo, ao tomarem o gênero como categoria de análise e ao compreendê-lo como uma forma primária de dar significado às relações de poder (tomando emprestada a definição de Joan Scott), apontam para a importância de entender como essas práticas e discursos incidem sobre os corpos determinados como masculinos. A masculinidade, nesse sentido, não é um tema novo, embora suas complexidades e contradições, que nos fazem entendê-la no plural, permaneçam como um campo aberto de elaboração e disputa.

Corpos em tensão: masculinidades em perspectiva nos propõe olhar, junto com os artistas Márcio Marianno, Douglas Reis e Fernando Ancil, para as construções sociais, culturais e visuais da categoria de masculinidade. Eles tomam como tema de sua produção artística características que a fundamentam — como a indissociabilidade com o trabalho, a violência e a sexualidade — desnudando-as, questionando-as e reelaborando-as em um processo de autodeterminação que tenta superar o padrão da masculinidade patriarcal e racista, característico de uma modernidade ocidental e capitalista, como também nos lembra bell hooks.

Márcio Marianno mobiliza a tradição da pintura a óleo para tensionar a interseção entre gênero, raça e classe. Interessado na transposição da incidência da luz sobre as superfícies para a tela, em algumas obras ele constrói corpos negros como alegorias que refletem experiências simultaneamente pessoais e coletivas — como o apagamento da individualidade desses homens ou a associação entre tais corpos e trabalhos manuais desvalorizados, legados da escravidão e da colonialidade. Na série Touros, o artista mergulha na temática da hipersexualização dos homens negros, evidenciando um nicho do mercado pornográfico que se sustenta em estereótipos que os reduzem a seres animalizados, violentos e de sexualidade incontrolável. Os pênis, que dialogam com a tradição do nu e com a tipologia dos retratos a óleo, denunciam um processo de desumanização, mas também reagem, devolvendo ao espectador o desconforto do racismo e revelando o poder das representações artísticas de expor e deslocar práticas sociais.

Já Douglas Reis compõe um universo subjetivo da experiência da masculinidade em regiões interioranas do Brasil. A série Flores Desbotadas ancora-se no exame de memórias familiares e das vivências do artista em territórios rurais, mobilizando uma cartela cromática e elementos visuais que remontam à associação dos homens com a lida na terra e à separação dos espaços de sociabilidade por meio do gênero: aos homens, cabia o bar; às mulheres, a igreja. A cisão entre o público e o privado aparece na alusão à casa e ao arame, mas também na presença da flor popularmente conhecida como Coroa de Cristo, costumeiramente usada em cercas vivas. As flores, extraídas e cavadas nas telas, corporificam essa inflexão de Reis sobre a ambiguidade inerente aos estereótipos de gênero, simbolizando a coexistência da violência e da delicadeza do afeto presente em sua família, mas também uma tentativa de florescimento de outros comportamentos no interior das estruturas patriarcais.

No campo tridimensional, Fernando Ancil, com seu projeto Marcenaria Olinda, materializa a associação entre a dimensão física do trabalho e o corpo masculino, questionando, por meio da hipérbole, a generificação da prática da manufatura e sua inscrição no mundo da arte. Ferramentas usadas na marcenaria e em outras técnicas de construção — como martelo, facão, grosa e serrote — são tomadas como extensões do corpo dos trabalhadores especializados. Nelas, o falo, como função simbólica do poder, explicita a predominância dos homens nesse meio e suas consequências, como a evidente dimensão de perigo presente na homologia entre masculinidade e instrumentos que podem ser empregados na violência física. Ao mesmo tempo, o procedimento de fazer da ferramenta a obra em si sublinha a dimensão construtiva do gênero, abrindo espaço para a elaboração de novas feituras, matéricas e subjetivas, da relação entre masculinidade e produção artística.

Nesta exposição, o conjunto de trabalhos dos três artistas suscita questões, mas também aponta para os limites, tantas vezes assinalados, de uma discussão sobre experiências de gênero que se fundamenta nos órgãos sexuais ou na reconfiguração das hierarquias de poder. Em um momento de sensíveis mudanças nos termos do debate, pautadas pela abertura de espaço para outras experiências de gênero e sexualidade, mas também pelo aumento de um reacionário ódio às mulheres e a outros grupos subalternizados, renova-se a importância de discutir as masculinidades, os imaginários e as visualidades em torno desse assunto.


Bruna Fernanda 

São Paulo, Abril de 2025

Marcio Marianno

São Paulo, 1978

Sua prática artística tem se desenvolvido a partir de uma investigação sensível do cotidiano, frequentemente utilizando seu próprio corpo como ponto de partida para compor cenas carregadas de simbolismo e sutilezas poéticas.

Nos últimos anos, Marianno tem aprofundado uma pesquisa centrada na construção de imagens alegóricas, explorando com rigor pictórico os efeitos da luz e da sombra sobre superfícies diversas. Através de veladuras, sobreposições e transparências, suas pinturas revelam atmosferas densas, onde o tempo parece suspenso e a matéria pictórica adquire um caráter quase sensorial.

Indicado ao Prêmio PIPA em 2022, o artista integra a exposição coletiva Corpos em tensão: masculinidades em perspectiva, com abertura no dia 26 de abril, aqui na Lança Galeria.

Homem

Marcio Marianno

2017

Óleo sobre MDF tratado

50 x 18 cm

R$6.120,00

RESERVE

Touro 01

Marcio Marianno

2017

Óleo sobre tela

30 x 50 cm

R$6.800,00

RESERVE

Touro 02

Marcio Marianno

2017

Óleo sobre tela

40 x 30 cm

R$6.300,00

RESERVE

Touro 03

Marcio Marianno

2017

Óleo sobre tela

40 x 50 cm

R$8.100,00

RESERVE

Touro 04

Marcio Marianno

2018

Óleo sobre tela

30 x 24 cm

R$4.650,00

RESERVE

Touro 05

Marcio Marianno

2024

Óleo sobre tela

30 x 20 cm

R$4.500,00

RESERVE

Touro 06

Marcio Marianno

2025

Óleo sobre tela

40 x 40 cm

R$7.200,00

RESERVE

Recado Sem Voz

Marcio Marianno

2023

Óleo sobre painel de algodão

100 x 70 cm

R$15.300,00

RESERVE

Sem título

Marcio Marianno

2021

Óleo sobre painel de algodão

100 x 70 cm

R$15.300,00

RESERVE

Legado

Marcio Marianno

2023

Óleo sobre tela

70 x 100 cm

R$14.800,00

RESERVE

Marcenaria Olinda

MARCENARIA OLINDA é uma oficina de criação em madeira fundada em 2015 por Fernando Ancil e Ana Carvalho, e nasceu como desdobramento de um trabalho coletivo desenvolvido desde 2011 nas áreas das artes visuais, cinema, literatura, fotografia e ofícios. Originalmente montada em um sobrado no sítio histórico de Olinda e atualmente instalados na cidade de Paudalho, a marcenaria desenvolve suas criações e projetos exclusivamente a partir do reaproveitamento de madeiras de alta qualidade, não contribuindo assim ao desperdício e desmatamento de nossas florestas. O trabalho transita entre as artes visuais, o artesanato popular e o design.

Marcenaria Olinda

2023

Madeira e ferro

130 x 30 x 5 cm

R$4.000,00

RESERVE

Serrote

Marcenaria Olinda

2025

Madeira e ferro

186 x 30 x 5 cm

R$8.500,00

RESERVE

Alicate de corte

Marcenaria Olinda

2023

Madeira e ferro

45 x 16 x 4 cm

R$2.000,00

RESERVE

Martelo

Marcenaria Olinda

2023

Madeira e ferro

28 x 18 x 2 cm

R$1.500,00

RESERVE

Facão

Marcenaria Olinda

2025

Madeira e ferro

65 x 5 x 5 cm

R$2.000,00

RESERVE

Machado

Marcenaria Olinda

2023

Madeira e ferro

75 x 20 x 5 cm

R$3.000,00

RESERVE

Grosa

Marcenaria Olinda

2025

Madeira e ferro

43 x 4 x 4 cm

R$1.500,00

RESERVE

Douglas Reis

Entre as dobras do Brasil interiorano, onde o tempo pulsa em ritmos próprios e os afetos circulam discretamente, Douglas Reis escolhe a pintura como seu campo de escuta. Nascido em Jacareí, São Paulo, em 1992, o artista visual constrói uma poética que parte do ordinário para tocar o essencial — aquilo que escapa às narrativas oficiais, mas constitui profundamente nossa memória coletiva. Seus trabalhos se debruçam sobre gestos simples, cenas domésticas, objetos comuns, procurando ali as marcas de uma cultura que insiste em existir, mesmo à margem dos grandes centros simbólicos.

Essa perspectiva se alinha diretamente com a proposta da exposição coletiva Corpos em Tensão: Masculinidades em Perspectiva, que inaugura neste sábado (26/04) aqui na Lança Galeria. Douglas Reis é um dos artistas que integram essa mostra, que propõe uma leitura sensível e crítica sobre o conceito de masculinidade em suas múltiplas expressões, contradições e construções culturais. Em um tempo em que o corpo masculino ainda é atravessado por expectativas de rigidez, virilidade e poder, a pintura de Douglas atua como contraponto: ela revela fragilidades, intimidades e afetos que escapam aos estereótipos normativos.

Propriedade Privada

Douglas Reis

2025

Óleo e lixa sobre tela

24 x 18 cm

R$1.110,00

RESERVE

Bar Vizinnho

Douglas Reis

2025

Óleo e lixa sobre tela

24 x 18 cm

R$1.250,00

RESERVE

Cicatriz

Douglas Reis

2025

Óleo e lixa sobre tela

30 x 20 cm

R$1.090,00

RESERVE

Peixeira & Flor de Espinho

Douglas Reis

2025

Óleo e lixa sobre tela

20 x 30 cm

R$1.350,00

RESERVE

Ausência

Douglas Reis

2025

Óleo e lixa sobre tela

20 x 30 cm

R$850,00

RESERVE

Labuta

Douglas Reis

2025

Óleo e lixa sobre tela

30 x 40 cm

R$1.600,00

RESERVE

Sagrada Desgraça

Douglas Reis

2025

Óleo e lixa sobre tela

30 x 40 cm (cada)

R$2.500,00 (díptico)

RESERVE

Segredos

Douglas Reis

2025

Óleo e lixa sobre tela

20 x 16 cm

R$1.110,00

RESERVE

Alguns Trocados

Douglas Reis

2025

Óleo e lixa sobre tela

20 x 30 cm

R$990,00

RESERVE